O artista Jônatas Moreira (assina como“Jonatxs”), de apenas 23 anos, já acumula uma série de trabalhos marcantes, que explora a figura da pessoa preta, suas subjetividades e particularidades, tudo isso usando uma rica paleta de cores e composições visuais extremamente interessantes.
Morador de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, Jônatas conta nessa entrevista que muitas de suas maiores inspirações vêm do cotidiano de sua cidade e da natureza que o rodeia: “Quando eu comecei a explorar esses lugares, comecei a refletir muito sobre como somos parte da natureza e ignoramos ela. Por isso que em alguns trabalhos meus, eu acabo trazendo elementos botânicos e paisagens rurais – pra dar esse tom de unidade entre os corpos.”
Confira a seguir a entrevista completa com Jônatas Moreira:
Muitos artistas dizem que gostam de desenhar desde criança, você era assim? Tinha algum estímulo artístico que vinha dos seus pais?
Comigo não foi diferente! Às vezes eu gastava um pacote de papel ofício em um dia. Desenho desde que me entendo por gente, mas esses estímulos vieram da cultura pop e das animações que eu assistia. Meus pais compravam papel e canetas, mas, acho que pra eles o desenho não passava de uma distração pra mim. Só que na verdade sempre foi muito mais pra mim. Depois eles perceberam.
Já não somos mais os mesmos, Jônatas Moreira
My skin, my logo, Jônatas Moreira
De onde vem suas maiores inspirações?
Nesse meu atual período, posso dizer que grande parte das minhas inspirações vêm do meu cotidiano e dos meus resgates de memória.
Minha relação com a natureza vem do bairro que eu moro. O Amapá (Duque de Caxias – RJ) é rodeado de amplas vegetações, com muitos campos, montes e árvores. Quando eu comecei a explorar esses lugares, comecei a refletir muito sobre como somos parte da natureza e ignoramos ela. Por isso que em alguns trabalhos meus, eu acabo trazendo elementos botânicos e paisagens rurais – pra dar esse tom de unidade entre os corpos.
Já as minhas questões com tecnologia antiga e obsolescência programada vêm mais dos meus resgates de memória da infância. O PC, discador, câmera compacta, windows xp e alguns outros elementos marcaram muito esse meu descobrimento do digital e de como tudo isso me dava uma sensação de escapismo. a partir daí eu comecei a ter várias questões com a liquidez desses dispositivos e de como eles se sobrepõem/substituem tão rápido. Eu coloco esses elementos em algumas pinturas justamente como reflexão desse recorte temporal onde tudo era novo demais pra gente. Nostalgia, sendo mais direto.
Não sei se caibo aqui, Jônatas Moreira
Inter faces IV, Jônatas Moreira
Suas ilustrações mudaram de alguma maneira depois da pandemia?
Acho que não, mas penso que sim. Em questões temáticas e estilísticas, o que aconteceu foi mais um progresso do que uma mudança. No período de isolamento social, eu acabei me dedicando mais e mergulhando mais nas minhas questões. Eu sempre dei esse tom introspectivo pro meu trabalho, e o isolamento ajudou a potencializar isso. Porque eu criei mais olhar pros cantos das paredes, pro quintal da minha casa, pro meu quarto, pra luz que eu acendo todos os dias quando anoitece, pro que eu sentia quando percebia e fazia todas essas pequenas coisas.
Como você descreveria a estética do seu trabalho?
Acho que essa é a pergunta mais difícil… Porque eu sei que o meu trabalho carrega uma identidade própria, mas ao mesmo tempo bebe de muitas referências visuais populares.
Bem, eu gosto de falar que o meu trabalho é uma pequena contribuição pro imaginário preto alternativo. Não consigo descrever bem. Quando se fala de estética, eu penso um pouco em editoriais de moda, em desenhos animados, dou um salto e paro um pouco no fauvismo, outro salto em arte Pop, um passinho pra trás pra olhar pra Bauhaus, volto pro hoje e assisto os clipes da Solange Knowles… é um suco disso tudo. E cada trabalho bebe mais de uma referência do que de outra.
É. Realmente fui pego de surpresa nessa pergunta.
Criando raiz, Jônatas Moreira
O que você mais gosta de fazer quando não está trabalhando?
Ultimamente eu tenho me descoberto como clubber. Eu gosto de dançar e ouvir bons sets de house e techno. Ir a festivais de música, rolês culturais ou até mesmo algum lugar pra não fazer simplesmente nada e me perceber descansando. Uma praia no fim da tarde, uma praça no centro da cidade ou até mesmo os montes que tem aqui perto de casa.
Ir em lugares, sair um pouco de casa (que sempre foi meu ambiente de trabalho) e me perceber em outros espaços. Investir em estar nesses espaços. Andar de um ponto pra outro.
Mas também faço coisas previsíveis como assistir algum filme, sair pra comer algo ou qualquer coisa do tipo.
A paleta de cores de suas obras é incrível, como você costuma escolher e compor ela?
Poxa, obrigado!!! Minha relação com as cores cresce e amadurece a cada dia que passa. Hoje eu consigo escolher de forma mais natural. Mas de vez em quando eu caço referências em posters, cartazes, pinturas antigas, fotografias e coisas assim.
Eu sempre faço um teste rápido antes de começar a finalização. Geralmente esses testes são feitos de forma digital, onde eu consigo ter uma praticidade maior e testar várias possibilidades de paleta pra uma pintura só. Daí eu escolho o teste que mais faz sentido pra mim, deixo do meu lado pra ver qual cor fica aonde e começo a finalizar. Mas no processo eu sempre acabo mudando alguma coisa.
E, pra mim, cores são blocos. Eu sempre penso na parte da colorização como um quebra-cabeças.
Brilho, Jônatas Moreira
Na sua visão, qual o papel do artista hoje em dia?
Olha, acho que artista sempre teve o papel de fazer as pessoas pensarem no que quer que seja com o seu trabalho. Acho que hoje não é diferente. Ter uma produção que conecte pessoas e recortes, que fale sobre o tempo e espaço em que se vive. Acho um bom papel.
Mas existem tantos papéis de tantos formatos e gramaturas… Espero que cada um consiga encontrar o seu algum dia.
Qual o seu maior sonho(s)?
Tenho dois:
Ser lembrado pelo meu trabalho e por quem eu sou e represento. Acho que de uma forma ou outra, isso já tá acontecendo e me faz transbordar de felicidade! Ouvir as pessoas falando sobre o meu trabalho e perceber que eu importo e sou referência pra outras pessoas é louco demais. No melhor sentido.
O outro é conseguir viver apenas com as minhas pinturas e ilustrações. Mas viver de conseguir ter uma casa própria e coisas que ficam muito distantes na minha classe. Ter uma vida com menos situações de borda, onde eu me pego angustiado pensando o que vai ser do mês que vem. Conseguir me ver numa situação onde meus estresses sejam menos profundos, sabe? Isso é um sonho de verdade, que também já começou a se materializar. Bem pouco, mas já…
Quebrado, Jônatas Moreira
Capa: Multi-eu, Jônatas Moreira
Para conhecer mais sobre o trabalho de Jônatas: