Artistas visuais e o isolamento social durante a pandemia

Por Geórgia Ayrosa

Desde a antiguidade, passadas guerras e pandemias, artistas revelam o desejo e a necessidade de retratar a realidade do seu tempo. O pintor flamengo Antoon Van Dyck (1599–1641), por exemplo, produziu uma série de telas no contexto de uma epidemia na Itália do século XVII. As autoridades da época decretaram quarentena e, assim, Van Dyck, durante um ano e meio, produziu uma série de pinturas de cunho religioso, afastando-se naquele momento das suas tradicionais pinturas de retratos. Ele sentiu necessidade de expressar de alguma forma o desespero e, ao mesmo tempo, a esperança que ele e os demais cidadãos da região estavam vivenciando.

Durante a pandemia do novo Coronavírus, as redes sociais foram ocupadas pelas mais diversas produções artísticas sobre o isolamento social e outros temas relacionados ao cenário político mundial. A urgência pela arte, também como forma de escape emocional, falava alto. Assim, páginas no Instagram como o “Museu do Isolamento” surgiram com o intuito de reunir em um só lugar trabalhos produzidos nesse período.

“O Museu do Isolamento surgiu com essa ideia de trazer um pouco mais de reflexão, um pouco mais de leveza para as pessoas.” Conta a idealizadora Lu Adas. “Então, justamente, eu queria que, já que as pessoas não podiam ir para fora consumir as exposições físicas, não podiam ir a lugares para se nutrir de arte, de cultura, esse veículo conseguiu suprir um pouquinho essa lacuna, trazendo mais cor para a vida das pessoas.”

“Museu do Isolamento”, criado por Lu Adas

Entretanto, apesar da temática da quarentena, o Museu não buscava falar apenas do isolamento ou da pandemia. É uma plataforma que procura também mostrar outros assuntos que estão sendo debatidos na sociedade e apresentar artes de pessoas que não têm espaço para divulgar suas produções. “Ele continua vivo, apresentando e ajudando esses artistas a terem cada vez mais visibilidade, artistas que não necessariamente têm locais para expor as suas artes e é justamente uma página que busca ser um local de encontro, de interessados por arte e artistas que estão em diferentes partes do Brasil” continua Adas.

“Sinais” por Jônatas Moreira, 2020 (@jonatxs.art) 

Para quem cria arte há algum tempo, os impactos da quarentena nas produções foram bem visíveis. Para o desenhista/pintor Jônatas, de 21 anos, sobrava mais tempo para produzir e experimentar: “Ao mesmo tempo que a minha produtividade aumentou em termos de disponibilidade de tempo para me experimentar mais, ficava muito desanimado para produzir qualquer coisa quando lia que os números (de mortes por Covid-19) estavam aumentando. Demorou um pouco para eu me reconectar com o meu eu que sempre tem algo pra contar através do visual.” 

Tatuagem por Matheus Tomé, 2020 (@matheustomes) 

Já o tatuador/ilustrador Matheus Tomé, de São Paulo, via suas produções mais “tristes, desanimadas e pessimistas.” Além disso, o artista ainda enfatiza o quão difícil foi para se sustentar. “Minha maior fonte de renda é a tatuagem e eu fiquei sem atender por meses.” Matheus teve que buscar por alternativas, assim como muitos artistas fizeram. Ele diz que teve “um projeto de ilustrar um videoclipe, criar estampas e também uma parceria com uma loja que cria produtos como canecas e adesivos”. O tatuador também agendava tatuagens, mas para datas indeterminadas e com uma procura bem mais baixa. 

“Água na lata” por Pedro Neves, 2020 

No entanto, não foi o caso do artista plástico Pedro Neves, nascido em Imperatriz — MA e atual morador de Belo Horizonte. Pedro vendia cópias de alguns trabalhos seus e comenta que, inclusive, suas vendas aumentaram na pandemia. Mas, para além de sua situação financeira, o artista também conta que lidou com diversas questões internas: “A quarentena dilatou tudo que eu já sentia, e minha forma de reagir a isso era produzindo, seja pintando, modelando ou testando novas maneiras de fazer arte. Com a quarentena, fui obrigado a ver questões dentro de mim e pensar de onde elas surgem, e observar questões do mundo e pensar as origens delas também. Como só era possível observar o mundo de dentro da minha casa, minha resposta surgia através do meu trabalho.” 

A designer/ilustradora Laís Carvalho diz que as primeiras semanas de quarentena foram as mais difíceis para ela: “Me afetaram bastante, porque era um período de adaptação e cheio de incertezas. É difícil se manter produtivo quando a sua saúde mental se abala, e a partir do momento que passei a dar atenção para as minhas questões internas, consegui me organizar novamente para trabalhar no mesmo ritmo de antes.” 

Ilustração por Laís Carvalho, 2020 (@laisdesenha) 

Visualmente, Neves enxergava em seu trabalho pinceladas menores e um maior volume de tinta. “Minhas pesquisas e reflexões se voltavam mais para a “arte primitiva”, mas gosto de pensar que primitivo é quem veio primeiro no melhor sentido da palavra, quem veio primeiro e abriu caminho, deixou segredos da vida e como lidar com questões humanas.” 

Lu Adas conta que, antes, a sua produção era voltada para fora, sobre o que é que havia lá fora para que as pessoas pudessem visitar. Na pandemia, ela começou a olhar para dentro. “O que as pessoas podem fazer dentro das suas casas? O que as pessoas podem fazer dentro dos seus universos, dentro de seus isolamentos?” 

Pintura sobre madeira por Pedro Neves, 2020 (@_mulungu) 

Para além de entreter, Laís enxerga que sua arte tem um papel político. “Como estávamos presenciando não só uma crise de saúde, mas também política, eu sentia que o meu papel, além de informar, era também de criar coisas bonitas, para que as pessoas pudessem, ao mesmo tempo, questionar a si próprias e ao mundo. Naquele momento, e também agora, sinto que todo mundo precisa da arte, mais do que nunca!”