A arte e os pássaros de Anna Livia Taborda Monahan

Por: Geórgia Ayrosa

Entrevistei a Anna logo no começo de fevereiro e, assim que terminei de ler as respostas que ela tinha me mandado, lembrei de um poema do Manoel de Barros que gosto muito:

DE PASSARINHOS

“Para compor um tratado de passarinhos

É preciso por primeiro que haja um rio com árvores

e palmeiras nas margens.

E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos

goiabeiras.

E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.

É preciso que haja insetos para os passarinhos.

Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.

A presença de libélulas seria uma boa.

O azul é muito importante na vida dos passarinhos

Porque os passarinhos precisam antes de belos ser

eternos.

Eternos que nem uma fuga de Bach.”

MANOEL DE BARROS

Compêndio para uso dos pássaros

(Poesia reunida 1937-2004)

Quasi Edições, 2007

Imagem: Fragmento introdutório de pintura de uma série que explora Pássaros, Ovos, e suas partes e pedaços: patas, penas, bicos, olhos e as “personalidades” únicas para cada especie de animal ovíparo, 2022

Ao olharmos para os desenhos e pinturas da artista multimídia nascida em Nova York, Anna Livia Taborda Monahan, enxergamos a força que a natureza e todos os seus elementos têm sobre seu trabalho. “Com toda certeza minha maior inspiração é a natureza, suas formas, cores, climas e anatomias, seus seres vivos e todas as infinitas possibilidades de manifestação”, explica.

Imagem: Detalhe de esculturas em baixo relevo 🌈

São muitas texturas, materiais, matas, paisagens e bichos diversos que coexistem para que a obra de Anna possa acontecer. “O meu amor pela arte surgiu também do meu amor pela

natureza. Cresci em uma casa cercada de mata Atlântica, e sempre tive relação bem próxima com os bichos e plantas do jardim, o que se reflete até hoje no meu trabalho.”

Isto é, o tratado de passarinhos existe porque existem os rios, as árvores, as goiabeiras, os brejos e os insetos. E com o trabalho de Anna não é diferente.

Confira abaixo a entrevista completa com a artista

Pode fazer uma breve apresentação sua?

Meu nome é Anna Livia Taborda Monahan, tenho 25 anos, e sou artista multimídia, trabalho com Pintura, Escultura, e também como freelancer de ilustração. A minha pesquisa artística principal recentemente tem sido sobre os pássaros, e suas diferentes formas, visuais e simbólicas. Além disso, sempre que possível brinco de fazer animações em stop-motion com amigos artistas, e no ano passado escrevi o meu primeiro livro infantil, mas ainda não consegui publicar.

Sou nascida em Nova York, filha de mãe brasileira e pai irlandês, mas cresci e morei desde os 4 anos no Brasil, e me considero brasileira mais que tudo! Me formei em Pintura na Escola de Belas Artes (UFRJ), e curso o Atelier Oruniyá a alguns anos. Atualmente moro na Tijuca, RJ, e trabalho no meu atelier-residência.

Como surgiu a sua relação com a arte?

A relação profunda com a arte surgiu da minha criação: minha mãe é artista visual e encadernadora de livros, e meu pai carpinteiro, então cresci com muitas influências de trabalho manual. Quando criança desenhava muito e fazia bonecos de cartolina e galhos e sementes. O meu amor pela arte surgiu também do meu amor pela natureza. Cresci em uma casa cercada de mata Atlântica, e sempre tive relação bem próxima com os bichos e plantas do jardim, o que se reflete até hoje no meu trabalho.

Imagem: Máscaras de gesso, Projeto Caça, 2021.

De onde vem suas maiores inspirações?

Com toda certeza minha maior inspiração é a natureza, suas formas, cores, climas e anatomias, seus seres vivos e todas as infinitas possibilidades de manifestação. A inspiração vem de momentos de contato mais profundo e contemplativo com o mundo, que me dão fruto imaginativo sem fim para a criação. Momentos como cenas de estrada, apreendidas em uma viagem de carro: de uma esquina vazia a noite, apenas com um poste de luz alaranjado e um cavalinho preso a uma árvore, pastando; os besouros que eu tinha quando era criança, caminhando em castelos de folha inventados; as ilhas da Costa Verde do Rio, o mar infinito, o vapor salgado… a riqueza poética de momentos de vida bem vivos!

São referência para mim artistas como o pintor surrealista Max Ernst, ilustrações científicas, e pinturas da idade média, entre mil outros! E bebo de outras fontes de arte, como o cinema, sou fã do cineasta Jan Svankmajer, e música. As letras de Patti Smith, Tom Waits e Belchior, por exemplo, me colocam no estado de quietude e emoção ideal para desenhar e criar!

Imagem: Pássaro com peitos (eu gosto de ser mulher) .

Com quais materiais você mais gosta de trabalhar? Por que?

É uma pergunta difícil para mim, pois o que gosto mais é descobrir novos materiais e aprender a usá-los, sinto que é bem lúdico esse processo inicial de aprendizagem. Nos últimos anos meu trabalho principal tem sido com a pintura de guache e óleo sobre tela ou papel, mas atualmente tenho explorado bastante o papel machê, criado esculturas, relevos, e máscaras decorativas, e estou adorando trabalhar com esse material! Tenho um projeto de começar a pintar e esculpir em madeira num futuro próximo e, enfim, continuar sempre a explorar materiais novos.

Como você descreveria a estética do seu trabalho?

Eu descreveria como um Gabinete de Curiosidades envolto por cenas com climas bem definidos pela luz, seja um sol de meio dia, ou uma cena noturna, sombria. Cada trabalho no entanto possui suas características particulares, alguns mais próximos de um realismo visual, outros mais gráficos, com áreas de cor bem definidas. Sinto necessidade de explorar estes dois lados das possibilidades formais, e sinto que trabalhar com eles juntos e separados enriquece o resultado final do meu corpo de obras.

Imagem: Peixe na Árvore, 2020

Na sua visão, qual o papel do artista hoje em dia?

O artista na minha visão tem o papel de lembrar o mundo de tudo que não é funcional, racional e automático que geralmente ocupa as pessoas no dia a dia. O artista tem o poder incrível de declarar sensibilidade e poesia, em meio a um mundo tão consumido pela objetividade. Na minha visão a arte é criada por necessidade, para mim pelo menos é assim, e é um privilégio incrível poder se dedicar a essa necessidade, e mais ainda a possibilidade de tocar os outros com as suas criações, e convidar todos a fazer parte desse universo sensível que você cria. Acho que a coragem de criar, e também de contemplar arte, ensina autoconfiança e dá força para o ser humano em todos os âmbitos de sua vida.

Qual o principal tema que atravessa suas obras?

Eu teria que responder que são os animais. Sempre passo por fases de obsessão por um grupo de animais, ou espécie específica, e desenho sem parar em meus cadernos eles de todos os ângulos, pegando referência em fotos, na vida real, e também explorando-os de forma puramente imaginária. Agora tenho feito muitos trabalhos com pássaros, e sinto que meus cadernos e pastas de fotos salvas e Pinterest se tornaram um grande dicionário de penas, patas, pássaros voando, pássaros em grupos, pássaros compridos, pássaros gordos, etc! O Ser que estou criando se torna, quase sempre, o ponto de partida de um quadro.

Imagem: Passarinhos, guache, 2020.

Qual o seu maior sonho(s)?

Pensei em contar um sonho muito longo que tive (haha), porque nunca sei exatamente como responder objetivamente essa pergunta, por medo de deixar algo de fora. Mas eu gostaria muito de conseguir viver 100% de meu trabalho de arte, e de ter sempre diálogos com outros artistas e criadores. Gostaria de poder realizar projetos de arte visual e audiovisual que hoje parecem megalomaníacos para mim, mas quem sabe um dia terei os recursos e sabedoria para fazê-los. Estes são meus sonhos individuais, mas sonho também em poder repassar aos outros tudo que a arte me dá de maravilhoso, e todo o conhecimento e incentivo que recebo nos últimos anos, e fazer mais gente sentir o prazer e poder que é criar.

Saiba mais sobre o trabalho de Anna

@annaliviatm